Diário de Viagem 2010 – Gracias

Estou devendo, desde a viagem do ano passado, contar para vocês como cheguei até aqui. Bem… continuarei devendo, ao menos por mais alguns dias. O que vou contar-lhes hoje não é sobre o como cheguei, mas sobre como quase não cheguei. Não acredito em destino ou pré-destino, mas acredito em escolhas, em causas e em conseqüências e, em um passado recente, eu fiz uma escolha que me impediria de estar aqui.

Sem grandes detalhes – ao menos por hora – em 2005, após a separação, superei bem as primeiras semanas, que acreditava serem as mais difíceis. Eu realmente estava bem. Realmente, eu disse? Sei… eu só percebi que “realmente” a realidade era outra quando notei – e dou graças a Deus  por ter notado – os primeiros sinais de depressão. Aos 26 anos – 8 anos após ter caído de cama por duas semanas em função de uma meningite causada por stress – peguei-me virando noites – e dias – em claro, sem sair de casa, sem comer, sem sair do quarto. Não tinha vontade de trabalhar, não tinha paixões, vazio. Essa, talvez, seja a melhor descrição: sentia-me vazio e não queria mudar isso, não sentia vontade de estar diferente. E a maioria de vocês está sabendo disso pela primeira vez. Quase todos, provavelmente. Era um jovem de menos de 30 anos, recém separado, já acometido de uma doença nervosa anos antes e, agora, com princípio de depressão. Não sou coitado e não quero ser visto assim. Sou um mané.

Mas eu tinha amigos. E amigos improváveis, impossíveis para alguns. Amigos que seriam julgados más companhias, mas que estavam junto. Não são pessoas que me deram apoio para ir em frente e tudo mais, são pessoas que me deram suporte – sim, me suportaram – para não ceder, não largar tudo. Sem melindres – e reconhecendo que outras pessoas também tiveram muito valor – esse capítulo da viagem é para quatro deles, desses amigos que conheci, literalmente, por inveja. É sério! O primeiro dos quatro, o Ale, eu conheci no ‘Jogo da Inveja’, numa comunidade do Orkut, onde, inclusive, achavam que ele era um perfil meu. Depois vieram a Mara, o Luis e a Van. São os quatro nomes deste capítulo. Eram eles quem me tiravam da toca – as vezes as 3:00 da manhã – para… almoçar. Eu me esquecia de comer. Parece impossível, mas é o que acontecia. E essas quatro pessoinhas me lembravam disso. Aliás, cabe lembrar que o nome deste blog – Na Toca da Cobra – vem desse apelido que a Mara deu ao meu apartamento na época.

Sem me estender mais – o texto já está bastante longo – essas quatro pessoas são alguns dos culpados por eu estar aqui hoje, saboreando meu almoço nesta tarde quente e um pouco nublada de Madrid.

E, enquanto escrevo estas palavras, com olhos marejados no centro da capital espanhola, meu coração se enche de gratidão por esses amigos que me impediram de sabotar meus sonhos. Para ser amigo, é preciso estar junto, e eles sabem disso. E estar junto não tem a ver com estar perto, mas com caminhar junto e suportar na hora que você é a pior companhia do mundo. E eles sabem do que estou falando. E antes que alguém julgue errado: não, não foram as pessoas mais importantes nesse processo. Mas foram as pessoas que me aturaram numa das fases mais complicadas que tive e sou grato por isso.

Ricardo Gondim disse recentemente que os amigos tornam a vida necessária. Os meus a tornaram possível.

Diário de Viagem 2010 – Desbravando Madrid II

Palácio da Justiça

Tirei o dia para caminhar pelo centro hoje. Fui sentido norte – ontem havia ido para o sul – em direção à Puerta Del Alcala – ontem vi a Puerta Del Sur. Nessa direção há mais comércios e a cidade foi, cada vez mais, me lembrando minha amada São Paulo, no Brasil. Comecei a me sentir em casa.

Bem ao lado do monumento, está a Puerta da Independência dos jardins do Buen Retiro, que é um parque grande em Madrid e que me lembrou o Ibirapuera – guardadas as devidas proporções de tamanho, com o Ibirapuera maior, e beleza, com grande vantagem para o parque espanhol.

Parque de El Retiro

Além de lindo, foi divertido ver o que fazem turistas e madrilenos no lago do parque: navegam de bote. O lago inteiro cheio de pessoas navegando em botes a remo. Fiquei tentado, mas cansado como estava de andar, acho que dormiria lá e acordaria só amanhã.

Palácio de Cristal

Mais para dentro do parque, passei pelo Palácio de Velasquez, e, por fim, pelo Palácio de Cristal (que, infelizmente, estava fechado e não rolou entrar).

A maior surpresa, porém, estava reservada para o final da tarde: encontrei o Julio Poli, que trabalhou comigo no Itau há 10 anos. E acho que fazia quase esse tempo que não o via. Fomos tomar uma sangria e ele me contou o que anda fazendo da vida: há 3 anos roda pelo mundo, trabalhando aqui e ali – Austrália, Itália, Índia, Espanha – e conhecendo o mundo.

Eu e o Julio Poli num bar em Madrid

Está na Europa há um ano e não pensa em voltar ainda. Contou-me que trabalhou lavando pratos na Austrália e estava feliz. Não sei se teria coragem, é provável que não, e bateu uma pontinha de inveja dessa vida mais “livre”. Mas qual não foi a minha surpresa quando ele me agradeceu por conseguir fazer o que está fazendo. Não entendi a princípio, e ele explicou.

Quando trabalhávamos no Itau, éramos uma equipe de 10 pessoas. Alguns de nós na época – eu, o Julia, o Renato, o Douglas e a Cel – estávamos bem cotados para promoções e tudo mais. Após 2 anos, porém, essas promoções não vinham e isso começou mesmo a incomodar. Em 3 meses, 3 dos principais membros da equipe saíram do banco para trabalhar em empresas muito reconhecidas. O Douglas foi para o JP Morgan. A Cel para a Deloitte (na época, Arthur Andersen). E eu para a Accenture (na época, Andersen Consulting). O Julio disse que a nossa saída fez o banco começar a valorizar mais o pessoal que ficou, mas, para ele, nossa saída serviu para que perdesse o medo de mudar de emprego, de tentar algo novo. E ele disse que foi assim que começou isso: depois de algum tempo trabalhando no Unibanco – após sair do Itau – ele decidiu pedir as contas, fazer as malas e se arriscar no mundo. Fiquei orgulhoso com a história e me emocionou a forma como ele me agradeceu por isso. Nada piegas e tal, mas eu realmente não esperava.

Madrid a noite

Ele acabou sendo uma ótima companhia nos dias que se seguiram na cidade que não dorme.

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Paradoxo Internacional: Quem é o Brasil? II

Brasil, mostra a tua cara, quero ver quem paga pra gente ficar assim!
Cazuza


Antes de mais nada, preciso explicar o que é este post. Ele é uma resposta ao desafio do João Victor Guedes em seu blog Uai, jovem! (cuja leitura recomendo). O Victor postou um texto chamado Paradoxo Internacional: quem é o Brasil? e lançou o desafio para que eu responda. Na verdade, creio que isso se tornará uma “discussão bloguística”, muito saudável e interessante, a meu ver.

Vamos lá, recomendo a leitura do texto do Victor antes de continuar a leitura aqui. Vai lá… eu espero


Ok, então vamos lá. O Victor abordou a questão do brasileiro e sua imagem lá fora. Não tive muitas oportunidades no exterior – ainda. O máximo que fiz foi uma mochilada desastrada pela Europa. E já foi muito bom mesmo para mim. Aprendi coisas em 3 semanas que demorei 30 anos para entender. E me apaixonei pelo Velho Mundo. Mas ok, já estou ficando nostálgico aqui.

Minha intenção é abordar a questão da imagem institucional do Brasil (apesar de entender que – individualmente – a imagem do brasileiro é mais relevante que isso). Mas vou deixar essa questão para outro momento e chamar algumas pessoas muito queridas que estão vivendo fora para darem sua posição quanto ao tema (vixi, mais alguns blogs na brincadeira): Jorge Trimboli, argentino-brasileiro vivendo nos EUA; Tiago Luchini, amigo do peito e irmão camarada, vivendo com a família na Finlândia; Lucilene Pavão, prima vivendo na Inglaterra há 6 anos; e Fernanda Seloti, minha mana caçula que está trabalhando nos EUA. Darei a eles a palavra para responderem – aqui ou em seus próprios blogs.

Continuamos a discussão a partir desse ponto, tão logo eles tenham dado alguma posição, fechado? Vamos ver se a experiência funciona.

Fim de ano e lá vamos nós de novo

Fim de ano… mensagens bonitas… compras… abraços… lágrimas… sorrisos… 13º… promessas… promessas… promessas… E rotina!

Sim, a velha rotina do novo ano, igual, ano após ano, final de ano após final de ano. E dizemos que o ano passou voando, e fazemos planos e promessas para o ano seguinte, muitas das quais sabemos de antemão que nunca iremos cumprir. Mas faz parte do rito. Faz parte da rotina. E ninguém se preocupa com isso, apenas repete.

Mas mensagens de final de ano são – supostamente – felizes, não tristes. “Para de encher, seu mala”, dirão alguns, com razão. E eu direi: “Oras, é só parte da minha rotina de reflexões de final de ano”.

Ano que vem tem mais… e lá vamos nós de novo!


Não, essa não é a última do ano, é só uma. Talvez mais uma, mas semana que vem passo aqui com um post mais alegre 😀

Diário de Viagem 2009 – Anjos e Demônios

2009-07-08 - Itália - Roma (101)

Hoje é meu aniversário! Acabo de acordar depois de cair na cama exausto. Dormi com a roupa que estava, celular na mão, do jeito que cheguei ao quarto. E acho que é isso que querem saber agora: que quarto? Então deixo para falar do meu aniversário depois e vou falar da noite de ontem, dia 09 de Julho.

Não sabia bem o que fazer quando o safado do cara do albergue me devolveu o dinheiro da reserva. Peguei aquelas moedas sem acreditar muito no que estava acontecendo: eu estava em uma pequena cidade de um país estranho que fala uma língua que não domino – sequer consigo compreender facilmente – e são quase meia-noite. O cara até ligou pra outros albergues e não conseguiu nada. No fim, descobriu um hotel que cobrava o dobro do valor e eu deveria sair até as 10:00 da manhã. Achei absurdo! Não pelo valor: cheguei a pagar mais em Barcelona, mas pela atitude sem vergonha! Quando eu falei que ia voltar para a estação, o safado nem pra se prestar a me dar uma carona (ele tinha acabado de buscar uma guria lá). Mafioso!

Sem saber o que fazer, mandei algumas mensagens. Mandei SMS para a Elizabeth e para o Andrea perguntando se tinham idéia de algum lugar para eu ficar. Mandei para a Deby, em Sampa, avisando do infortúnio e confesso ter ficado ainda mais irritado. Elizabeth tentou alguns amigos, mas não havia lugar para dormir. A Deby perguntou do dinheiro pago pela reserva – a fim de saber se nem isso era garantia mais – mas, nervoso como estava, entendi isso como uma preocupação com a grana e não comigo. Parei de responder as mensagens.

Uma vez em Pisa, já contando que a minha “festa” de aniversário em frente à torre tinha ido pro espaço, fui até a praça, carregando a mochila e a mala e tirei algumas fotos. Ao menos teria as fotos da torre a noite como “presente”. Na torre, alguns jovens ainda tiravam fotos, outros bebiam. Um casal me pediu que tirasse algumas fotos deles. Foi difícil conversar a princípio: ele quase não falava, ela falava demais, mas não entendia inglês direito. Quem raios você são? Perguntei de onde eram. O rapaz disse que era inglês e aparentemente não sabia de onde era a moça. Muito estranho. Perguntei a ela. Resposta: “I’m from Brazil”. C’mon, man! Atravesso o oceano para topar com brasileiros em todas as cidades por onde passei!!! Tirei algumas fotos deles – agora com uma comunicação mais fácil. Ela era de Recife, mas morava em Amsterdã. Não perguntei muito mais que isso. A moça quis tirar uma foto comigo – virei atração turística na terra da torre torta – e me perguntou o que fazia ali naquele horário – certamente após ver a mala ao meu lado. Contei a história. É engraçado. Ela tentou me ajudar. Disse que não sabia se tinh vaga no hotel em que estavam, que o hotel era ruim mas poderia me levar até lá. Agradeci, mas já tinha me conscientizado a ir pra estação, dormir por lá até o primeiro trem para qualquer lugar e partir.

Tomei rumo pelas ruas da cidade de volta à estação ferroviária. É gostoso andar pelas cidades a noite na Europa. A sensação de tranquilidade e segurança são notórias. Tirei algumas fotos, mas estava realmente triste. As fotos, por mais lindas que fossem sob uma lua cheia de um céu limpo, não me animavam.

Próximo à pontezinha – aquela – recebi uma mensagem do Andrea: Daniele encontrou um hotel para mim! Ele disse que me encontraria na ponte e, já que eu estava lá perto, aguardei. Tirei mais fotos (lindas fotos) daquele simpático 2009-07-10 - Itália (2)riozinho. De repente, ele ficou mais bonito. Andrea me encontrou e pediu que esperassemos por Daniele, que viria com a confirmação – ou não – da vaga no hotel. Ele lamentou muito tudo aquilo, pediu desculpas pela cidade. Eu realmente não culpava a cidade, nem poderia. Safados há na Itália, no Japão ou no Brasil. Mas eles, por alguma razão, se sentiam muito mal com tudo aquilo.

Ao chegar, Daniele estava chateada: não havia mais vagas lá. Eu disse que estava tudo bem, que iria para a estação numa boa. Eles pediram que eu fosse com eles ver outro hotel – bem mais caro. Eu disse que não, que era o dobro do valor que eu iria pagar e tudo mais, mas insistiram. Daniele pegou minha mala e saiu andando. Simples assim. Perguntaram se eu tinha comido. Quase não comi na viagem, ainda mais numa situação dessas. É estranho: ao contrário da maioria das pessoas, quando estou ansioso perco o apetite. Tenho fome, meu estômago chega a roncar, mas não consigo comer. Andrea me comprou um kebab. Não foi abuso, eu estava com o dinheiro na mão para pagar e ele mandou que eu guardasse. Caramba, o que estava acontecendo??? Eles disseram que era meu presente de aniversário. Poxa, mas nem me conheciam! Daniele disse que se eles estivessem em São Paulo e acontecesse isso, o que eu faria? Já os havia convidado a conhecer Sampa e pensei na situação. Ok, opções de hotel em São Paulo não faltam, mas imaginei eles sozinhos a meia-noite na Grande Cidade sem falar português. Deu medo. Aceitei o kebab.

No caminho ao hotel, eles disseram que já que o hotel era o dobro, eles pagariam metade – como presente de aniversário. Que eles queriam que eu tivesse um boa estada na cidade deles e que não levasse má impressão. Disse que não, que eu podia pagar e tudo mais. Nem me deram chance de discutir. Realmente eu não tinha uma má impressão de Pisa. Nem da Itália – apesar de alguns enrolões. Não tinha jeito de discutir com o simpático e prestativo casal de italianos. Resolvi deixar a coisa correr.

2009-07-10 - Itália (6)No hotel, sem pestanejar, Daniele saca a carteira e paga a diária… toda! Eu queria bater nos dois! Mas eles faziam aquilo com alegria, não dava pra discutir. Estavam realmente felizes em ajudar. Me levaram até o quarto – Andrea carregando minha mala. E só me deixaram quando eu estava instalado. Foi fantástico!!! Deram-me um abraço de feliz aniversário e fiquei muito feliz.

Dormi como um bebe. Sequer troquei de roupa. Do jeito que sentei na cama, caí pro lado e dormi – uma das noites mais tranquilas da minha viagem. No dia seguinte, mandaram-me mensagens de feliz aniversário, perguntaram como fora minha noite e me desejaram uma boa viagem para Firenze (Florença). Não puderam me encontrar, pois estavam trabalhando naquela sexta-feira de manhã.

Me arrependo de não ter tirado uma foto com eles. Espero que tenhamos outra oportunidade. De alguma maneira, acho que teremos.